Formato do TikTok favorece uso da rede como estratégia para atingir eleitor jovem
Vídeos curtos, entretenimento e fuga do ‘textão’ são características da rede que vem sendo usada por pré-candidatos à Presidência
O Brasil é o segundo país em que a população mais dedica tempo ao TikTok, segundo estudo da empresa alemã Statista. Mas apesar de a rede social ter como objetivo oferecer entretenimento, pré-candidatos à Presidência têm participado da plataforma como ferramenta para alcançar eleitores a poucos meses do pleito. A informação é do R7.
Entre os dois mais bem cotados à vaga nas pesquisas, o presidente Jair Bolsonaro acumula 1,6 milhão de seguidores — com 13,9 milhões de visualizações no post mais assistido — e Lula intensificou nos últimos dias a divulgação de uma conta, ainda não verificada, que chegou a 77 mil seguidores e 6,4 milhões de visualizações no vídeo mais assistido. Ciro Gomes, com conta oficial verificada, alcançou 2,6 milhões de pessoas com um post na plataforma sobre Bolsonaro (veja abaixo).
Para além dos números, o formato do aplicativo favorece o uso como estratégia política e encontra terreno fértil em um contexto polarizado. É isso que opinam especialistas ouvidos pelo R7. Paulo Faltay, professor da Escola de Comunicação da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), avalia que as redes sociais têm papel central nas campanhas políticas, nas decisões de voto e na própria cultura política. Nesse contexto, ele enxerga o TikTok como um importante canal para ser observado.
“Tanto pelo público de usuários, em sua maioria formado por jovens, quanto pelo formato de conteúdo que oferece: vídeos rápidos, em tom despojado, como nas danças e memes, que fogem tanto do tradicional ‘textão’”, diz. Outra diferenciação dessa ferramenta em específico para outras redes é a passagem automatizada e rápida de um conteúdo para outro, não necessariamente de uma página que o usuário segue ou de um amigo dele, mas sugestões do algoritmo de uma aba chamada “para você”.
“Isso influencia, porque através do TikTok há a possibilidade de atingir um público mais desavisado sobre a política, que não está acompanhando tão diretamente”. Essas características, segundo o especialista, favorecem o contato com um conjunto de eleitores que rejeita a política tradicional.
“Um estudo realizado em quatro países — Brasil, Argentina, Colômbia e México —, mostrou que os jovens se informam sobre política por meio de canais supostamente não politizados. Os jovens se informam e formam a opinião a partir de celebridades, artistas e personalidades que seguem nas redes”, pontua Paulo Faltay.
Leveza, agilidade e simplicidade
A pesquisa citada pelo professor se chama Juventude e Democracia na América Latina, lançada em janeiro deste ano e conduzida pela socióloga Esther Solano e pela cientista política Camila Rocha. O estudo demonstra, entre outros pontos, que o Facebook “já figura como uma rede menos utilizada, pois tende a ser associada a pessoas mais velhas”. “Em seu lugar entram o Instagram e o TikTok, mais utilizados para ver conteúdos leves, com humor”, aponta o texto.
O levantamento mostrou também especificidades do Brasil, onde “a política como um todo é vista como totalmente corrompida e envelhecida” e “há uma tendência de buscar o que parece autêntico e novo”. “O voto em Bolsonaro é defendido por quem o considera autêntico, honesto e uma ‘novidade’”, aponta.
A linguagem de comunicação das redes oficiais do atual presidente têm apostado em “memes”, o que dialoga com essa percepção. O vídeo mais visto entre as quase 500 publicações de Bolsonaro no TikTok mostra uma pessoa semelhante ao chefe do Executivo dançando. A legenda diz: “Não sou eu”, e usa a hashtag #gingado. Com apenas nove segundos, o vídeo alcançou 13,9 milhões de pessoas.
O vídeo mais popular de uma das contas de Lula no aplicativo tem seis segundos. Nele, o ex-presidente diz: “Pode se preparar, que você vai encher o tanque do seu carro com o preço da gasolina em real”. O vídeo estampa um texto curto: “Encher o tanque, gostoso demais”. Ao todo, 6,4 milhões de usuários da plataforma viram essa publicação.
Os jovens entrevistados no estudo Juventude e Democracia na América Latina concordaram que a política deveria se apresentar de forma leve, ágil e “sedutora”, com textos curtos e chamativos, como tweets, stories no Instagram e vídeos no TikTok, pois esses conteúdos chamam atenção em meio ao tsunami de informações das redes.
Esse público terá impacto relevante nas eleições deste ano, pois campanhas de incentivo ao título de eleitor direcionadas aos jovens fizeram com que houvesse um recorde de novos eleitores entre 16 e 18 anos. Entre janeiro e abril de 2022, o país ganhou 2.042.817 novos eleitores nessa faixa etária, um aumento de 47,2% em relação ao mesmo período de 2018 e de 57,4% em relação ao mesmo período de 2014.
Rede jovem, mas ampla
Zanei Barcellos, doutor em comunicação e professor de jornalismo digital da UnB (Universidade de Brasília), avalia que o TikTok teve um crescimento estrondoso em meio à pandemia, quando adolescentes ficaram mais em casa. Por isso, a plataforma deve ter atenção especial dos candidatos.
Para o especialista, essa é uma faixa etária onde se há formação de opinião e a procura por agregação a grupos e tribos, e isso pode acontecer também no campo político. “O TikTok é uma rede de vídeos e entretenimento. Imagina isso no lado político. Um jovem cantar uma música, fazer uma dança em grupo com camisa do partido X ou Y. Certamente, dentro desse espírito, se usar essa linguagem, as coisas podem rolar em termos políticos e de campanha.”
Porém, Zanei lembra que o aplicativo não se restringe ao público de adolescentes e jovens adultos. “Recentemente, os caminhoneiros quase entraram em greve em função do aumento dos combustíveis e o grande meio de divulgação deles foi o TikTok. Eles também usam para se divertir, ver vídeos, ouvir piadas. Mas surgiu uma necessidade e começaram a se comunicar por lá”, ressaltou.
Do ponto de vista dos candidatos, o professor enxerga grandes desafios da campanha realizada atualmente em comparação àquelas de pleitos passados. “É muito mais difícil agora do que era antes da rede. Porque, além da mídia tradicional, há as redes sociais, cada uma com seu tipo de comunicação, seu tipo de público. E dentro de cada uma também há setores. O instagram, por exemplo, tem stories, feed, reels. E isso requer uma linguagem diferenciada.”
É o que também pontua Rodrigo Stumpf González, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Segundo ele, as redes sociais permitiram reduzir o custo do acesso ao eleitor, diminuindo a diferença entre os candidatos que têm acesso a rádio e televisão e os que não tem.
“Elas permitem usar redes de contato e criar mensagens específicas focadas em cada tipo de eleitor. As redes sociais mudaram a forma tradicional de campanha, que, desde os anos 1960 nos Estados Unidos e os anos 1980 no Brasil, eram uma mistura de rádio, TV e comícios. E novos formatos exigem novas maneiras de criar conteúdo.”
Nenhum comentário