Linha-dura da Rússia ataca plano de Trump; EUA e Ucrânia se reúnem
Versão que corre no governo é de que Putin não aprovou pessoalmente o plano, que começou a ser vazado em site americano
O plano de paz para encerrar a Guerra da Ucrânia apresentado pelo governo Donald Trump não agradou a linha-dura do Kremlin, apesar de a maioria de seus 28 pontos ter sido desenhada em conjunto com um enviado russo e atender aos desejos de Vladimir Putin.
Segundo a reportagem ouviu de duas pessoas com acesso ao centro do poder russo, a versão que corre no governo é de que Putin não aprovou pessoalmente o plano, que começou a ser vazado a partir de uma publicação do site americano Axios na quinta-feira (20). Com isso, os opositores visam esvaziar a iniciativa.
Segundo elas, de fato há ao menos um ponto que o presidente russo não aceitaria: a entrega de um terço dos US$ 300 bilhões das reservas de Moscou congeladas no exterior pelas sanções ocidentais para a reconstrução da Ucrânia, país invadido por Putin em 2022.
A linha-dura é composta pela elite das Forças Armadas e serviços de segurança, e tem integrantes de ocasião como o ex-premiê Serguei Kirienko. O grupo está em um momento de entusiasmo com os ganhos russos nas frentes de batalha e, segundo os observadores ouvidos, convenceu Putin de que é possível ganhar a guerra sem fazer concessões.
Isso explica a reação morna de Putin a o plano, que só foi admitido pela Casa Branca na sexta (21). Naquele dia, o russo convocou reunião de seu Conselho de Segurança e disse conhecer a proposta, delegando sua autoria totalmente aos americanos. Ainda assim, afirmou que o plano era factível, embora fosse necessário debatê-lo.
Na reunião, ele usou termos que confirmam o ânimo do Kremlin. “Se Kiev não quiser discutir a proposta de paz do presidente Trump, então eles e os belicistas europeus vão entender que os eventos em Kupiansk irão se repetir em outras áreas-chave. Talvez não tão rapidamente como nós gostaríamos, mas inevitavelmente”, disse.
Ele se referia à queda, na véspera, da importante cidade que dá acesso à capital homônima da região setentrional de Kharkiv, que nem faz parte da lista de territórios desejados por Putin: pelo plano, ele fica com toda Donetsk e vê congeladas as linhas em Kherson e Zaporíjia, ao sul.
Aqui está outro ponto que desagrada a linha-dura, que é a previsão de desocupação de territórios conquistados em outras regiões senão as quatro que Putin anexou ilegalmente em 2022.
O acordo prevê a saída dos russos de Kharkiv, uma região que a elite do país considera sua, Dnipropetrovsk (centro) e Sumi (norte).
A pressão revela também uma disputa interna com foco no negociador Kirill Dmitriev, jovem estrela em ascensão que comanda o principal fundo soberano russo, que tem inimigos na linha-dura e na chancelaria. Ele costurou o plano com o enviado de Trump para o conflito, Steve Witkoff, durante um encontro de três dias em Miami, no fim de outubro.
Uma terceira pessoa consultada diz ser impossível que ambos tenham forçado a divulgação do plano sem a concordância de Putin e Trump, como sugerem os membros da linha-dura para queimar Dmitriev.
Os termos gerais da proposta são iguais às feitas pelos russos em junho, lembra esse observador, e talvez o distanciamento vise evitar críticas caso a iniciativa falhe. Aqui, a opacidade usual da política russa talvez torne impossível saber a verdade.
“Seria bom se soubéssemos quem escreveu o plano”, ironizou neste domingo (23) o premiê polonês, Donald Tusk.
Deixados de fora, líderes europeus se mobilizaram para tentar pressionar Trump a ouvi-los e a Volodimir Zelenski, o principal interessado que também não foi consultado. Há também sinais de uma disputa no governo americano, tendo Witkoff como alvo.
Segundo o senador republicano Mike Rounds, o secretário de Estado, Marco Rubio, disse para ele no sábado (22) que o plano na verdade não é da Casa Branca. “Não é nosso plano de paz, é uma proposta que recebemos”, disse.
Rubio e Witkoff desembarcaram neste domingo em Genebra, onde se encontrarão com uma delegação ucraniana liderada pelo poderoso chefe de gabinete de Zelenski, Andrii Iermak, que está desgastado como o chefe devido a um escândalo de corrupção.
Também participarão das conversas representantes da Alemanha, Reino Unido e França, buscando retomar influência no processo. “Se a Ucrânia perder a guerra, isso afeta todo o continente”, disse no sábado o premiê alemão, Friedrich Merz.
Com tudo isso, parece crescer o risco de a proposta cada vez mais sem paternidade definida de Trump cair no vazio, como ocorreu nos outros ultimatos pela paz que o republicano proferiu. Mesmo o prazo dado por ele desta vez, a próxima quinta (27), já está sendo deixado de lado: no sábado, o americano disse que seu plano “não é uma oferta final”.
Enquanto isso, a guerra segue intensa. A Rússia anunciou a tomada de mais três vilas na região de Donetsk, e a Ucrânia conseguiu pela primeira vez atingir uma grande usina termelétrica na região de Moscou, em Chatura, 120 km a leste da capital.
Ao menos os 33 mil moradores da cidade ficaram sem energia e aquecimento, com temperaturas congelantes do inverno que se aproxima. O governo local contratou geradores móveis para apoiar a população enquanto os reparos no local são feitos.
Folhapress
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